76
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo Original

Análise das internações por causas externas não intencionais em menores de 15 anos em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

Analysis of hospitalizations due to unintentional injuries of children under 15 years of age in Florianópolis, Santa Catarina, Brazil

Ana Camila Flores Farah1; Isabela de Carlos Back2; Maurício Lopes Pereima3

RESUMO

OBJETIVO: Determinar o perfil e evoluçao de menores de até 14 anos, vítimas de injúrias de causas externas que necessitaram internaçao hospitalar, em Florianópolis, SC, entre abril de 2013 e março de 2014.
MÉTODO: Estudo longitudinal e observacional. Utilizado formulário estruturado para coleta dos dados e acompanhamento clínico dos casos. Foram determinadas frequências dos dados categóricos, mediana e intervalo de referência - entre os 5º e 95º percentis (IRP5-95); as associaçoes foram determinadas pelo teste qui-quadrado e regressao logística anterógrada, nao condicional.
RESULTADOS: Analisaram-se 211 atendimentos. 67,8% do sexo masculino, idade mediana de 6 anos (IRP5-95:1-14) e predomínio da cor branca. O principal cuidador foi a mae, com companheiro estável, idade mediana de 30,5 anos (IRP5-95:19,5-47) e de escolaridade de 8 anos (IRP5-95:3,4-15,6). Os casos ocorreram mais no domicílio e as queimaduras resultaram na categoria mais frequente. Os pacientes eram procedentes principalmente da Grande Florianópolis e a maioria nao apresentou gravidade. Tempo médio de internaçao foi de 5 dias (IRP5-95:1-23). O modelo que melhor explicou o desfecho internaçao prolongada (mais de 8 dias) incluiu "queimaduras" (RC: 2,55; IC95: 1,34-4,84; p=0,004) e ter menos de 6 anos (RC: 1,69; IC95: 0,83 - 3,46, p=0,15). O teste de Hosmer e Lemeshow foi de 0,878, explicando 67,8% dos casos (29% dos positivos e 88,7% dos negativos).
CONCLUSAO: O perfil da amostra estudada é semelhante a outros grupos descritos previamente, com forte caráter social. Isto deve ser levado em conta na criaçao de estratégias de controle dessa importante causa de sequelas na populaçao infantil.

Palavras-chave: Queimaduras. Acidentes. Causas Externas. Violência. Epidemiologia.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To determine the victims, up to 14 years of age, of externally caused injuries, taking into account the sociodemographic and clinical variables and intra-hospital outcome characteristics.
PATIENTS AND METHODS: This is a longitudinal and observational study. Between April 2013 and March 2014, hospitalized patients were studied in Florianopolis, SC, victims of externally injuries, using a structured questionnaire and follow-up. Frequency and median with reference range, i.e. between 5% and 95% percentiles (RRP5-95) were determined.
RESULTS: The sample consisted of 211 patients, 67.8% were male with median age of 6 years (RRP5-95:1-14). The main caregiver was the mother, with a stable partner; the median age of the caregiver was 30.5 years (RRP5-95: 19.5-47) and the median schooling was 8 years (RRP5-95: 3.4-15.6). The cases mainly occurred at victim's home. The common test lesion was burns. Patients came mainly from Florianópolis. The majority of cases weren't severe. The median hospitalization was 5 days (RRP5-95: 1-23). Were significantly associated with prolonged hospitalization (over 8 days), burn-type injuries (p<0.001), and to have less than 6 years-old (p=0.007). The model that best explained the results included "burns" (OR: 2.55; CI95%: 1.34-4.84; p=0.004) and to have less than 6 years-old (OR: 1.69; CI95%: 0.83 - 3.46, p=0.15). The Hosmer and Lemeshow test was 0.878, explaining 67.8% of cases (29% of positive and negative 88.7%).
CONCLUSION: The profile of the sample is similar to other groups studied in the country and the world, with strong social profile. Such features should be taken into account to implement strategies, in order to control this major cause of morbidity and sequela in children.

Keywords: Burns. Accidents. External Causes. Violence. Epidemiology.

INTRODUÇAO

As causas externas sao os principais determinantes de morte em todo o mundo, ocasionando aproximadamente 1 milhao de óbitos em crianças e adolescentes de até 18 anos1. A populaçao infanto-juvenil é muito susceptível a este tipo de agravo, devido a sua imaturidade, sua curiosidade, seu espírito de aventura e seu excesso de coragem; o uso de álcool e drogas por parte dos adolescentes e jovens sao fatores igualmente importantes. Também favorece essa susceptibilidade o processo desestruturado de urbanizaçao e o aumento da desigualdade social, que contribuem para a violência urbana e para a exclusao da populaçao de baixa renda2.

Os indicadores utilizados para mostrar o impacto das mortes por causas externas nesta faixa etária - como "anos potenciais de vida perdidos" e "anos de vida produtivos em potencial perdidos" - mostram que estas refletem negativamente na vida das famílias, que determinam prejuízo emocional e financeiro. Também importante, há reflexos sociais - como a perda de vidas produtivas - impactando no desenvolvimento social e econômico das populaçoes afetadas3. Preocupados com esta situaçao, a Organizaçao Mundial da Saúde (OMS) e a United Nations Children's Fund (UNICEF) publicaram um relatório mundial de prevençao de injúrias na infância em 2008. Neste relatório, foi destacado que injúrias em crianças é o grupo de causas que determina maior morbidade e mortalidade na faixa etária da criança e do adolescente, requerendo atençao urgente.

A prevençao de acidentes deve ser colocada no mesmo patamar que as recomendaçoes e as açoes que fazem parte da atençao integral à saúde da criança; no nível de importância, por exemplo, das açoes de prevençao e de tratamento, como incentivo ao aleitamento materno, reidrataçao oral, vacinaçao e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento4.

No Brasil, o desenvolvimento econômico experimentado nos últimos anos proporcionou, dentre outros fatores, melhoria no acesso a serviços de saúde. Isso diminuiu o número de mortes relacionadas às doenças infecciosas, resultando em impactos positivos em indicadores como a mortalidade infantil. Ao mesmo tempo, em todas as regioes brasileiras, a mortalidade por causas externas em crianças e adolescentes demanda urgência em açoes de diagnóstico e prevençao, pelo seu impacto na mortalidade de crianças e jovens e o pequeno número de estudos nessa área5.

Este estudo tem como objetivo determinar o perfil sociodemográfico e clínico das internaçoes por causas externas, assim como variáveis associadas a um maior tempo de internaçao, ocorridas em crianças e adolescentes de até 14 anos na cidade de Florianópolis, SC, no período de abril de 2013 a março de 2014, a fim de servir de subsídio a políticas públicas de açoes preventivas.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo longitudinal, observacional, descritivo e analítico. A coleta ocorreu no período de abril de 2013 a março de 2014, quando se analisou o perfil e evoluçao intra-hospitalar de pacientes pediátricos, vítimas de causas externas com necessidade de internaçao no município de Florianópolis. Os dados foram coletados junto ao prontuário médico dos pacientes e por meio de formulário e acompanhamento diário, protocolos que foram aplicados diretamente aos pais ou responsáveis pela pesquisadora, após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Revogável.

Em Florianópolis, durante o período de coleta, havia apenas dois hospitais com internaçao pediátrica: o Hospital Infantil Joana de Gusmao (HI) e o Hospital Universitário Polydoro Ernani de Sao Thiago da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC). O Hospital Infantil Joana de Gusmao é a instituiçao de referência municipal e regional para pacientes pediátricos vítimas de trauma, para onde sao encaminhados em caso de necessidade de internaçao e procedimentos cirúrgicos, motivo pelo qual somente foram detectados pacientes internados por causas externas neste hospital.

As variáveis utilizadas foram: idade, gênero e cor da pele da vítima internada; tipo de cuidador; idade, escolaridade e estado civil do principal cuidador; renda familiar per capita; número de habitantes por domicílio; tipo de injúria e local de ocorrência; evoluçao intra-hospitalar, quanto a tempo de internaçao e necessidade de UTI ou cirurgia.

Após a coleta, os dados foram analisados utilizando o programa SPSS, versao 22 (Armonk, EUA), sendo realizada a análise descritiva dos mesmos. Os dados categóricos foram apresentados em valores absolutos e prevalências. Todos os dados contínuos tiveram distribuiçao nao paramétrica; por isso, foram apresentados na forma de mediana e intervalo de referência, isto é, entre o 5º e 95º percentil (IRP5-P95).

Para fins de análise, foi testada a associaçao entre tercil superior de tempo de internaçao (mais de 8 dias) e as variáveis independentes já descritas, utilizando-se o teste de qui-quadrado, considerando significantes as associaçoes que apresentaram p<0,05. A associaçao independente foi testada utilizando regressao logística binomial, nao condicional, anterógrada, pelo método de verossimilhança; foram testadas neste modelo variáveis baseadas em modelo teórico, passo a passo.

A incidência de internados por causas externas foi calculada dividindo-se o número de casos provenientes da Grande Florianópolis pela populaçao de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, segundo o Censo 2010.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Infantil Joana de Gusmao, em 13 de março de 2013, com parecer número 220.496.


RESULTADOS

Foram analisados dados de 211 crianças, sendo a maioria do sexo masculino (67,8%), com mediana de idade de 6 anos (IRP5-95: 1-14). Quanto à cor da pele, a maioria (64%) apresentava a cor branca, seguida pela parda em 33%.

O principal cuidador foi a mae em 90% dos casos, com uniao estável ou casada em 76,3% dos casos. A mediana de idade do cuidador no momento da injúria foi de 30,5 anos (IRP5-95:19,5-47); a mediana de escolaridade deste cuidador foi de 8 anos (IRP5-95: 3,4-15,6).

A mediana da renda familiar per capita foi de R$ 416,67 (IRP5-95: 126-1490). A mediana de habitantes no lar desta criança foi de 4 pessoas (IRP5-95: 3-6,5).

Os acidentes aconteceram na maioria dos casos (35,1%) no final do ano, nos meses de dezembro, novembro e setembro em ordem decrescente; ocorreram mais frequentemente na quarta-feira (17,1%) ou sábado (15,6%) e no domicílio (27,5%). A principal categoria de injúria ocorrida na amostra foram as queimaduras em 48,8%, seguido das quedas em 27,5% dos casos. A Tabela 1 apresenta a caracterizaçao da amostra.




A Figura 1 apresenta a distribuiçao geográfica da procedência dos pacientes da amostra. A maioria foi procedente da Grande Florianópolis, seguida do Vale do Itajaí.


Figura 1 - Distribuiçao dos casos de pacientes internados no Hospital Infantil Joana de Gusmao conforme mesorregiao do Estado de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis, no período de abril de 2013 a março de 2014.



A incidência de casos internados por causas externas na Grande Florianópolis foi de 62,7 casos por 100.000 crianças e adolescentes de 0 a 14 anos. Dos 82 pacientes de fora da Grande Florianópolis, 67 (81%) eram vítimas de queimaduras.

Na maioria dos pacientes nao houve necessidade de internaçao em terapia intensiva (88,6%), nem necessidade de ventilaçao mecânica (94,3%) ou intervençao cirúrgica (60,2%). Apenas uma criança apresentou evoluçao fatal. A mediana de dias de internaçao dessas crianças foi de 5 dias (IRP5-95: 1-23 dias).

A análise bivariada, as variáveis independentes que apresentaram associaçao significante com o desfecho internaçao prolongada (mais de 8 dias) foram injúrias do tipo queimaduras (p<0,001), ser proveniente de fora da Grande Florianópolis (p=0,002) e idade inferior a 6 anos (p=0,007). Na Tabela 2 estao descritas as associaçoes com o desfecho das variáveis testadas.




A análise multivariada, o modelo que melhor explicou o desfecho "tempo prolongado" incluiu injúria do tipo "queimaduras" (RC: 2,55; IC95%:1,34-4,84; p=0,004). Apesar de nao apresentar significância estatística, contribuiu para o ajuste do modelo idade inferior a 6 anos (RC: 1,69; IC95%: 0,83-3,46; p=0,151). O teste de Hosmer e Lemeshow foi de 0,878, explicando 67,8% dos resultados (29% dos positivos e 88,7% dos negativos). O modelo está descrito na Tabela 3.




DISCUSSAO

Durante o período de abril de 2013 a março de 2014, foram internadas no Hospital Infantil Joana de Gusmao, em Florianópolis, 211 crianças vítimas de causas externas, sendo a maioria do sexo masculino e da cor branca. O cuidador mais frequente na hora da injúria foi a mae, com parceiro estável, geralmente um adulto, com escolaridade fundamental, em lares pouco populosos. As injúrias ocorreram mais nos meses quentes, mais frequentemente foram queimaduras e a maioria ocorreu na Grande Florianópolis. Mais comumente nao foram graves.

O gênero masculino é o mais acometido por causas externas em qualquer idade. A partir do final do primeiro ano de vida, os meninos têm o dobro de chance de sofrer traumas físicos, quando comparados às meninas. Há várias explicaçoes possíveis para isso, dentre elas o fato dos meninos tenderem a ser mais ativos, ter maior frequência de participaçao em atividades e maior curiosidade em explorar coisas novas do que as meninas. Já as meninas costumam ser mais delicadas e menos reativas que os meninos6,7.

Houve predomínio na cor de pele branca, embora estudos mostrem maior risco nas minorias étnicas; porém, se considerarmos a distribuiçao de cor de pele na populaçao analisada (10,5% das crianças de 0 a 14 anos sao da cor parda ou negra), o risco de sofrer injúria externa foi 3,32 vezes maior nessas crianças, quando comparadas às crianças de cor branca.

O Centers for Disease Control and Prevention (CDC) estudou esta questao e encontrou que, durante o período de 1999-2002, as crianças e adolescentes entre 1 a 9 anos e de 10 a 19 anos negras e indígenas tiveram as maiores taxas de mortalidade por injúrias, variando sua causa segundo faixa etária e etnia: entre os indígenas de 1 a 9 anos esteve relacionada a acidentes de transportes e afogamentos, enquanto as crianças negras da mesma idade sofreram mais mortes relacionadas a homicídios e queimaduras. Entre as crianças indígenas de 10 a 19 anos, as taxas de mortalidade mais altas estiveram relacionadas a suicídio e acidentes de transporte; as negras da mesma idade tiveram as taxas mais altas de mortalidade por homicídios8.

Entre os fatores de risco individuais para as causas externas, o que mais influencia sua distribuiçao é a idade, pois há injúrias físicas específicas para cada faixa etária. Nessas janelas de vulnerabilidade, as crianças encontram ameaças as suas integridades físicas que exigem determinadas açoes defensivas, para as quais elas ainda nao estao maduras.

Nesta amostra, a idade mais tenra foi de maior risco e mais relacionada a queimaduras, como encontrado em diversos estudos realizados no Brasil: no interior de Sao Paulo, ocorreram mais frequente em crianças menores de 6 anos (52,9%)9; em Goiânia, GO, mais frequentemente em menores de quatro anos (57,6%)10; em Joao Pessoa, PB, aproximadamente 70% dos indivíduos estudados tinham idade inferior a sete anos, dado igualmente encontrado no Paraná11.

Os fatores que podem justificar a maior prevalência - e gravidade, evidenciada pela análise bivariada - de acidentes nessa fase precoce da vida estao relacionados às características do desenvolvimento infantil, pois as crianças sao imaturas e curiosas com relaçao ao meio ambiente, ficando mais expostas às situaçoes de perigo, o que é potencializado pela supervisao muitas vezes ineficiente e pela dificuldade de identificaçao de risco cuidador. Também importante, quanto menor a criança maior o impacto de agentes externos físicos, pelas menores massa e superfície corporal, determinando ainda maior lesao infligida pelas injúrias externas12.

Os agravos ocorreram com maior frequência no ambiente domiciliar e sob os cuidados da mae. Este fato ocorre porque os pais nem sempre conhecem as limitaçoes de cada fase de vida de seus filhos, além de nao terem o hábito de pensar em perigos dentro de casa. É comum que os adultos esperem da criança uma percepçao de risco, o que ela desenvolve somente a partir dos 7 anos, idade na qual prevalece o fascínio pelo perigo. Sao características que os pais precisam conhecer e levar em conta para maior segurança dos filhos.12

Segundo a literatura, em média dois terços de todos os acidentes com crianças ocorrem dentro de casa e a maioria pode ser evitada. Isto é explicado pelo grande período que as crianças pequenas permanecem nela ou em seus limites na sociedade brasileira. Isso exige que os responsáveis pelas crianças tenham conhecimento dos riscos do ambiente, tomando medidas para evitá-los pois, ao mesmo tempo que o domicílio pode propiciar a ocorrência desses agravos, ele pode funcionar também como um meio facilitador para açoes preventivas e educativas, neutralizando a existência de tal risco12.

Quanto à época do ano, descreve-se o predomínio de acidentes no mês de janeiro, o que se relacionou à maior permanência das crianças fora do ambiente escolar, o que aumentaria o risco de exposiçao aos acidentes mais comuns13. Encontramos predomínio dos casos nos meses novembro e dezembro, o que pode estar associado a este maior risco fora do ambiente escolar, mas também por serem meses mais quentes, os quais também podem estar relacionados ao aumento de exposiçao a situaçoes de riscos para que os acidentes ocorram, pois as crianças exploram mais o ambiente nesta condiçao.

Houve predomínio da ocorrência nas quartas-feiras (em 17,1% dos casos) ou nos sábados (em 15,6% dos casos), porém sem diferença significativa entre os dias da semana. Poucos estudos analisam o risco segundo dia da semana de ocorrência. Malta et al.14 encontraram que 68,4% dos acidentes ocorreram de segunda a sexta-feira e 31,6% nos sábados e domingos. Há a necessidade de maiores estudos para determinar se isto deve ser considerado importante no controle de risco deste agravo.

Em relaçoes aos fatores familiares, destacam-se as baixas condiçoes socioeconômicas como fator de risco para os traumas. Os fatores de risco mais importantes sao: mae solteira e jovem, baixo nível de instruçao materna, desemprego, habitaçoes pobres, famílias numerosas e uso de álcool e drogas pelos pais. Outro fator de risco para a ocorrência de acidentes é o número de habitantes por domicílio: quanto maior o número, maior o risco15.

Foi encontrada uma mediana 4 pessoas (IRP5-95:3-6,5), com renda familiar média per capita mensal de R$ 416,67 (IRP5-95: 126,00-1490,00). Quando comparado com os demais estados do país, encontramos predomínio de acidentes em crianças com condiçoes socioeconômicas relativamente mais favoráveis: com cuidadores casados ou em uniao estável, com mediana de idade de 30,5 anos (IRP5-95: 19,5-47) e com escolaridade em torno de 8 anos3,4. Em que pesem estas características, houve tendência de ocorrer mais frequentemente em filhos de maes jovens, mostrando a necessidade de maior proteçao de crianças filhas destas maes, o que geralmente está associado a piores condiçoes de vida da família de origem.

Talvez por tratar-se de um hospital de referência estadual exclusivo no atendimento de queimados, houve predomínio de vítimas envolvendo queimaduras (48,8%), seguido pelas quedas, que, segundo a literatura, é o mais frequente dos acidentes envolvendo crianças.

Muito provavelmente, a distribuiçao dos resultados encontrados está relacionada a este maior número de queimados da amostra, o que explica características relacionadas a esse tipo injúria específica, como predominância em menores de 4 anos, maior ocorrência no domicílio e mae como principal cuidador. Outrossim, quando comparados os diversos tipos de injúria, as queimaduras sao consideradas de mais alto risco de morte e sequelas, o que concordou com a associaçao encontrada entre o desfecho e esta variável16,17.

Os pacientes provenientes de fora de Florianópolis apresentaram maior risco de internaçao prolongada, muito provavelmente porque a maioria deles (81%) era vítima de queimaduras, que receberam o primeiro atendimento na cidade de origem e, em caso de necessidade por maior gravidade, foram encaminhados para o centro de referência, que é o Hospital Infantil Joana de Gusmao.


CONCLUSAO

Em conclusao, em que pese um perfil levemente mais favorável do paciente atendido no Hospital Infantil Joana de Gusmao com causa externa de injúria, o perfil dos pacientes da amostra é semelhante ao dos demais grupos estudados no país e no mundo: lesoes no domicílio, de maes mais jovens e pobres, sendo mais graves em crianças pequenas, vítimas de queimaduras. Tais características devem ser levadas em conta na criaçao de estratégias de combate deste agravo no estado, em nível de Saúde Pública, a fim de controlar essa importante causa de morbidade e sequelas na populaçao infantil.


POTENCIALIDADES, LIMITAÇOES E ESTUDOS FUTUROS

Este foi o mais abrangente levantamento de injúrias externas no estado, se considerarmos área de cobertura e seguimento longitudinal. Pode ser um importante instrumento para planejamento das açoes necessárias à prevençao deste agravo no estado. Apesar disto, o Hospital Infantil, mesmo sendo referência estadual, nao é o único hospital na área de abrangência que atende crianças vítimas de causas externas, representando, outrossim, as injúrias da mesorregiao da Grande Florianópolis, pela referência quase exclusiva destes pacientes na regiao. As circunstâncias dos acidentes foram informadas pelo acompanhante da criança internada, podendo nao condizer com a realidade dos fatos, no caso de lesoes intencionais ou pela sensaçao de culpa dos pais.


REFERENCIAS

1. Peden M, McGee K, Sharma G. The injury chartbook: a graphical overview of the global burden of injuries. Geneva: WHO; 2002 [Acesso 4 Abr 2016]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/42566/1/924156220X.pdf

2. Matos KF, Martins CBG. Perfil epidemiológico da mortalidade por causas externas em crianças, adolescentes e jovens na capital do Estado de Mato Grosso, Brasil, 2009. Epidemiol Serv Saúde. 2012;21(1):43-53.

3. Fraade-Blanar L, Concha-Eastman A, Baker T. Injury in the Americas: the relative burden and challenge. Rev Panam Salud Publica. 2007;22(4):254-9.

4. Peden M, Oyegbite K, Ozanne-Smith J, Hyder AA, Branche C, Fazlur Rahman AKM, et al. (eds). World report on children injury prevention. Geneva: WHO/UNICEF; 2008 [Acesso 12 Dez 2014]. Disponível em: http://who.int/violence_injury_prevention/child/en/

5. Kalache A, Veras RP, Ramos LR. O envelhecimento da populaçao mundial. Um desafio novo. Rev Saúde Pública. 1987;21(3):200-10.

6. Lopes SLB, Fernandes RJ. Uma breve revisao do atendimento médico pré-hospitalar. Medicina (Ribeirao Preto). 1999;32:381-7.

7. Wang H, Liu XX, Liu YX, Lin Y, Shen M. Incidence and risk factors of non-fatal injuries in Chinese children aged 0-6 years: a case-control study. Injury. 2011;42(5):521-4.

8. Bernard SJ, Paulozzi LJ, Wallace LJD. Fatal injuries among children by race and ethnicity - United States, 1999-2002. MMWR CDC Surveill Summ. 2007;56(5):1-16.

9. Biscegli TS, Benati LD, Faria RS, Boeira TR, Cid FB, Gonsaga RA. Perfil de crianças e adolescentes internados em Unidade de Tratamento de Queimados do interior do estado de Sao Paulo. Rev Paul Pediatr. 2014;32(3):177-82.

10. Viana FP, Resende SM, Tolêdo MC, Silva RC. Aspectos epidemiológicos das crianças com queimaduras internadas no pronto socorro para queimaduras de Goiânia - Goiás. Rev Eletr Enferm. 2009;11(4):779-84.

11. Nigro MVAS, Freitas ET, Lopes Junior SC, Dalcumune F, Bueno Netto RF, Sanches MER, et al. Perfil epidemiológico das crianças internadas por queimadura no Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC) no período de julho de 2007 a fevereiro de 2008. Arq Catarin Med. 2009;38(Supl. 1):172-4.

12. Xavier-Gomes LM, Rocha RM, Andrade-Barbosa TL, Oliveira e Silva CS. Descriçao dos acidentes domésticos ocorridos na infância. Mundo Saúde. 2013;37(4):394-400.

13. Amaral EMS, Silva CLM, Pereira ERR, Guarnieri G, Brito GSS, Oliveira LM. Incidência de acidentes com crianças em um pronto-atendimento infantil. Rev Inst Ciênc Saúde. 2009;27(4):313-7.

14. Malta DC, Mascarenhas MDM, Bernal RTI, Viegas APB, Sá NNB, Silva Junior JB. Acidentes e violência na infância: evidências do inquérito sobre atendimentos de emergência por causas externas - Brasil, 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(9):2247-58.

15. Macedo LR, Macedo MR, Silva CR, Macedo CR. Acidentes por causas externas em crianças e adolescentes do Espirito Santo, Brasil. Rev Bras Pesqui Saúde. 2011;13(4):41-7.

16. Bernz LM, Mignoni ISP, Pereima MJL, Souza JA, Araújo EJ, Feijó R, et al. Análise das causas de óbitos de crianças queimadas no Hospital Infantil Joana de Gusmao, no período de 1991 a 2008. Rev Bras Queimaduras. 2009;8(1):9-13.

17. Moser H, Pereima RR, Pereima MJL. Evoluçao dos curativos de prata no tratamento de queimaduras de espessura parcial. Rev Bras Queimaduras. 2013;12(2):60-7.










1. Mestranda do Programa de Pós-Graduaçao em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil
2. Professora Doutora do Programa de Pós-Graduaçao em Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil
3. Doutor em Medicina pela Unifesp, Cirurgiao Pediátrico do Hospital Infantil Joana de Gusmao), Florianópolis, SC, Brasil

Correspondência:
Ana Camila Flores Farah
Rua Araci Vaz Callado, 686, Apto. 1002, Canto
Florianópolis, SC, Brasil - CEP 88000-000
E-mail: anacamilafloresfarah@gmail.com

Artigo recebido: 22/2/2016
Artigo aceito: 5/4/2016

Local de realizaçao do trabalho: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil.
Conflitos de interesse: Nada a declarar

© 2024 Todos os Direitos Reservados