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Análise do potencial bactericida e bacteriostático da sulfadiazina de prata

Analysis of the potential bactericide and bacteriostatic of silver sulphadiazine

Ilo Odilon Villa Dias1, Guilherme Henrique Fontana2, Letícia Nogueira Resende2

RESUMO

INTRODUÇAO: A ferida da queimadura, provocada pelo calor, inicialmente estéril, torna-se colonizada por bactérias, especialmente o Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa. O tópico mais eficaz para o controle da infecçao dessas lesoes é a sulfadiazina de prata 1% (SP).
OBJETIVO: Avaliar o potencial antimicrobiano da SP.
MÉTODO: A SP foi manipulada nas concentraçoes (%): 1; 0,8; 0,6; 0,4; 0,2; 0,1 e 0,01. Posteriormente, cepas de Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa foram transferidas para um tubo até se obter a turvaçao de 0,5 da escala de McFarland. Em seguida, o inóculo microbiano foi semeado por espalhamento, na superfície de placas, com swabs estéreis. Cada placa recebeu três papéis-filtro (PF), sendo o I impregnado com SP, o II com creme sem SP e o III in natura. Após incubaçao por 24 horas a 37ºC, foram medidos os halos de inibiçao formados ao redor dos PF.
RESULTADOS: Quanto às placas com Staphylococcus aureus, verificou-se, nos halos dos PF I, a formaçao de uma curva de progressao linear diretamente proporcional às concentraçoes da SP. Os PF II demonstraram inibiçao do crescimento bacteriano de forma mais discreta. Nos PF III, nao houve a formaçao de halos. Quanto às placas com Pseudomonas aeruginosa, observou-se inibiçao de crescimento apenas nos PF I, nas concentraçoes de 1% e 0,8%.
CONCLUSAO: A concentraçao da SP encontrada nas fórmulas comercializadas é o ideal para a inibiçao dos principais contaminantes de feridas queimadas.

Palavras-chave: Sulfadiazina de prata. Queimaduras. Staphylococcus aureus. Pseudomonas aeruginosa.

ABSTRACT

INTRODUCTION: The wound of the burn caused by heat, initially sterile, becomes colonized by bacteria, particularly Staphylococcus aureus and Pseudomonas aeruginosa. The topic for more effective control of infection of these lesions is the silver sulfadiazine 1% (SS).
OBJECTIVE: To evaluate the antimicrobial potential of SS.
METHOD: The SS is manipulated in the concentrations (%):1; 0.8; 0.6; 0.4; 0.2; 0.1 and 0.01. Subsequently, strains of Staphylococcus aureus and Pseudomonas aeruginosa, were transferred to a tube to obtain a turbidity of 0.5 McFarland. Then, the microbial inoculum was sown by scattering on the surface of plates with sterile swabs. Each plate received three filter-papers (FP), I was impregnated with the SP, II with fresh cream without SP and III in nature. After incubation for 24 hours at 37oC, was measured the inhibition halo formed around the FP.
RESULTS: The boards of Staphylococcus aureus was found in the halos of FP I, the formation of a linear progression curve directly proportional to the concentrations of SS. The FP II demonstrated inhibition of bacterial growth in a more discreet. In FP III, there wasn't the formation of halos. The boards of Pseudomonas aeruginosa, we observed growth inhibition only in FP I, at concentrations of 1% and 0.8%.
CONCLUSION: We conclude that the concentration of SP found in formulas sold is ideal for the inhibition of the main contaminants of wounds burned.

Keywords: Silver sulfadiazine. Burns. Staphylococcus aureus. Pseudomonasaeruginosa.

INTRODUÇAO

As queimaduras vêm sendo um grande problema de saúde pública, nao só quanto à gravidade de suas lesoes e ao grande número de complicaçoes, mas também quanto às sequelas relevantes que marcam o paciente queimado1. Estao entre as principais causas de morbidade e mortalidade em nossa sociedade e, de acordo com a Sociedade Brasileira de Queimaduras, no Brasil acontece 1 milhao de casos de queimaduras a cada ano, 200 mil sao atendidos em serviços de emergência e 40 mil demandam hospitalizaçao2.

A pessoa que sofre queimadura é considerada imunossuprimida, uma vez que, após o trauma, ocorre uma série de alteraçoes orgânicas que modificam seus mecanismos de defesa contra infecçoes. A perda da integridade da pele e o desequilíbrio na regulaçao do pH cutâneo possibilitam a colonizaçao da ferida por micro-organismos oportunistas. Dependendo do agente que provocou a lesao, a microbiota residente da pele também é eliminada, deixando de exercer seu papel protetor3.

Assim, a colonizaçao de feridas queimadas ocorre frequentemente por Staphylococcus aureus e outros Staphylococcus spp., coagulase negativa, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Enterobacter cloacae, Acinetobacter spp., Enterococcus faecalis, Klebsiella spp., dentre outras bactérias, destacando-se a levedura Candida albicans e o Aspergillus spp., entre os fungos4.

O tratamento das lesoes por queimaduras é um grande desafio aos profissionais da saúde, sobretudo no que se refere ao elevado potencial para desenvolver infecçoes5. Apesar disso, é universalmente aceito que o tópico mais eficaz para o controle da infecçao local é a sulfadiazina de prata (SP) 1%, a qual representa um dos recursos amplamente utilizado no tratamento de queimaduras de segundo e terceiro graus, com a finalidade de desbridar tecidos necrosados e combater a infecçao local4,6. A partir de sua aprovaçao em 1963 pela Food and Drug Administration (FDA), rapidamente tornou-se a droga de escolha no tratamento de queimaduras, devido ao largo espectro de açao antimicrobiana e também por resultar na aplicaçao indolor. É efetiva contra vários micro-organismos, particularmente, bactérias Gram-negativas (por exemplo: E. coli, Enterobacter spp., Klebisiela sp, P. aeruginosa), mas inclui também Gram-positivas (S. aureus) e Candida albicans4.

A queimadura é considerada um trauma de grande complexidade, de difícil tratamento, multidisciplinar, com alta taxa de morbidade e mortalidade em todo o mundo, afetando mais de 1 milhao de pacientes ao ano7, sendo a SP 1% consenso no seu tratamento.

Este estudo visa, frente a um panorama desafiador, agregar informaçoes ao conhecido potencial antimicrobiano da SP especialmente voltada para os micro-organismos Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa, principais representantes Gram positivo e negativo, respectivamente, de feridas infectadas decorrentes de queimadura.

MÉTODO

Trata-se de um estudo experimental. Tomando por base a concentraçao da SP estabelecida nas formulaçoes comerciais (1%), esta foi sintetizada em laboratório de manipulaçao de referência do município de Chapecó-SC, nas seguintes concentraçoes: 1%, 0,8%, 0,6%, 0,4%, 0,2%, 0,1% e 0,01%. O veículo foi o creme composto por Propilenoglicol 5%, vitamina E 2% e creme base QSP. Cepas de bactérias da American Type Culture Collection (ATCC) de Staphylococcus aureus (ATCC 25923) e Pseudomonas aeruginosa (ATCC 9027) foram utilizadas em cada teste. Inicialmente, as cepas bacterianas foram cultivadas em meio de cultura específico a 37ºC/24h em estufa bacteriológica. Pseudomonas aeruginosa, cultivadas em meio seletivo para Gram negativos Agar MacConkey (Laboratório Merck KGaA Lote: vm910565) e Staphylococcus aureus no meio AgarSal Manitol (Laboratório Merck KGaA Lote: vm022304).

A segunda etapa do experimento constituiu-se na difusao em placas com meio sólido Mueller-Hinton, tomando-se como referencial o método de difusao em ágar, segundo Kirby-Bauer (1966) e as recomendaçoes do National Committee for Clinical Laboratory Standart (NCCLS, 2002)8.

Os micro-organismos mantidos em meio de cultura específico a 37ºC/24h foram transferidos proporcionalmente para um tubo contendo soro fisiológico até se obter a concentraçao/turvaçao equivalente a 0,5 da escala Mc Farland (1,5 x 108 UFC/ml).

Os inóculos bacterianos foram semeados por meio do método de espalhamento, em duplicata, com auxílio de swabs estéreis nos meios de cultura específicos. Foi utilizado o Agar Sal Manitol para o inóculo de Staphylococcus aureus e o Agar MacConkey para a Pseudomonnas aeruginosa. Foram enumeradas 14 placas da seguinte forma: o primeiro número correspondeu à concentraçao de SP utilizada, isto é, para a SP em 1% numeraçao 1, 0,8% numeraçao 2, 0,6% numeraçao 3, 0,4% numeraçao 4, 0,2% numeraçao 5, 0,1% numeraçao 6 e 0,01% numeraçao 7. O segundo número das placas identifica a placa em duplicata, que ficaram representadas pelo número 2 (Figura 1).


Figura 1 - Esquema exemplificando a nomeaçao das placas. A placa 1.1 corresponde à placa com SP a 1%, e a placa 1.2 corresponde à placa com SP 1% em duplicata.



Em seguida, em cada placa foram demarcados três pontos, os quais receberam a seguinte identificaçaoe disposiçao: I, a uma distância de 3 centímetros da borda da placa, o número II na porçao superior e a1 centímetro da borda da placa e o número III na porçao inferior e a1 centímetro da borda da placa (Figura 2).


Figura 2 - Esquema da demarcaçao do local onde os papéis-filtro seriam posteriormente fixados.



Posteriormente, foi depositado o papel-filtro (PF) I, em seu respectivo local, o qual foi impregnado manualmente com o auxílio de uma pinça anatômica em creme de SP, sendo esta colocada em diferentes concentraçoes e pequenas alíquotas em placa estéril (Figura 3). Já o PF II (controle do creme), foi impregnado manualmente com o auxílio de uma pinça anatômica com creme sem SP (composiçao do creme: Propilenoglicol 5%, vitamina E 2% e creme base QSP), e o fixou no local identificado. Por último, fixou-se o PF III in natura (controle do papel filtro), ou seja, nao impregnado com nenhuma substância, em seu local predeterminado. Assim, cada placa ficou com as características semelhantes ao demonstrado na Figura 4, e de forma geral tivemos as condiçoes exemplificadas na Figura 5.


Figura 3 - Esquema do método de impregnaçao dos papéis-filtro utilizados.


Figura 4 - Esquema das características de cada placa e da disposiçao dos papéis-filtro.


Figura 5 - Placas em duplicata.



Após o período de incubaçao de 37ºC/24h, foi avaliada a atividade antimicrobiana da SP, por meio da observaçao da formaçao de halos de inibiçao ao redor dos papéis-filtro. Realizou-se a leitura pela mediçao do halo de inibiçao, iniciando-se em ordem decrescente de concentraçao.

A dose inibitória mínima (DIM) representou a mais alta diluiçao da SP na concentraçao testada que conseguiu inibir o crescimento dos micro-organismos. Na determinaçao do ponto final de inibiçao, o aparecimento de somente uma colônia na placa ou de crescimento muito leve no local do inóculo, difícil de ser visualizado a olho nu, nao foi considerado9.


RESULTADOS

O protocolo experimental foi realizado no laboratório de microbiologia da Universidade Comunitária da Regiao de Chapecó e concluído no dia subsequente, com a medida dos diâmetros dos halos de inibiçao.

Resultados do potencial bactericida e bacteriostático da SP em relaçao ao Staphylococcus aureus: durante a análise dos diâmetros dos halos de inibiçao formados ao redor dos papéis-filtro impregnados com SP e creme, percebeu-se que nao houve grande variabilidade dos diâmetros observados nas placas em duplicata, como mostra a Tabela 1, de modo que foi considerado como significante, apenas as placas com o número "1" após o ponto (isto é, 1.1; 2.1; 3.1; etc).




Assim, na verificaçao destas placas, notou-se a formaçao de uma curva de progressao linear diretamente proporcional às concentraçoes da SP, cujos valores máximos e mínimos foram determinados, respectivamente, pela SP 1% com halo de 50 mm e pela SP 0,01% com halo de 23 mm (Figura 6). Os halos de inibiçao das demais concentraçoes apresentaram um decréscimo com média de 4,5 mm, sendo que o menor intervalo ocorreu entre as placas 2/3 e 4/5, com 2 mm, e o maior entre as placas 6/7, com 11 mm de diferença (Figura 7).


Figura 6 - Maior e menor diâmetros dos halos de inibiçao dos papéis-filtro I.


Figura 7 - Diâmetros dos halos de inibiçao (mm) conforme as diferentes concentraçoes (%) testadas da sulfadiazina de prata (SP).



Assim como verificado nos halos de inibiçao dos papéis-filtro I, os papéis-filtro II também demonstraram inibiçao do crescimento bacteriano, porém, com halos menores do que aqueles visualizados anteriormente (Figura 8).


Figura 8 - Evidência da diferença entre os halos inibitórios dos papéis-filtro I (47mm) e II (20mm).



Conforme evidenciado na Figura 9, os halos de inibiçao do creme base variam entre 30 e 17 mm, fazendo com que a reta desenhada na figura mantenha um pequeno grau de inclinaçao. Ademais, se percebe que a variaçao entre os diâmetros dos halos nao respeita uma constante de regressao entre elas como o observado nos papéis-filtro I.


Figura 9 - Diâmetros dos halos de inibiçao (mm) dos papéis-filtro II.



Quanto aos controles (papéis-filtro III), percebeu-se que todos eles nao formaram halo de inibiçao, o que nos comprova que este material nao possuía nenhuma propriedade sobre o desenvolvimento bacteriano que pudesse vir a interferir na interpretaçao dos demais halos (Figura 10).


Figura 10 - Ausência de halo inibitório no local da inserçao do papel-filtro III, fato que se repete em todas as placas.



Resultados do potencial bactericida e bacteriostático da SP em relaçao à Pseudomonas aeruginosa: durante a análise dos halos inibitórios das placas semeadas com o micro-organismo Pseudomonas aeruginosa, pôde-se observar a inibiçao do seu crescimento nas placas de número 1 e 2, mais especificamente no PF I, os quais foram impregnados com SP nas concentraçoes de 1% e 0,8%, formando halos de 13 mm e 8 mm, respectivamente (Figuras 11 e 12). Quanto aos demais PF destas mesmas placas, nao houve a formaçao de halos inibitórios.


Figura 11 - Halo inibitório de 13 mm no papel-filtro I, impregnado com SP 1% e ausência de halos nos PF II e III.


Figura 12 - Halo inibitório de 8 mm no papel-filtro I, impregnado com SP 0,8% e ausência de halos nos PF II e III.



Em relaçao às demais placas, analisando-se primeiramente os PF I, impregnados com SP, nas concentraçoes de 0,6; 0,4; 0,2; 0,1 e 0,01%; nao houve a formaçao de nenhum halo inibitório; fato este que se repete também com os PF II e III (Figura 13). A Figura 14 demonstra visualmente o ocorrido.


Figura 13 - Ausência de halos inibitórios nos PF I, II e III, nas placas 5 e 7, fato que também se repete nas placas de número 3, 4 e 6.


Figura 14 - Diâmetros dos halos de inibiçao (mm) conforme as diferentes concentraçoes (%) testadas da sulfadiazina de prata (SP).



É válido lembrar que, tal qual o acontecido com as placas semeadas com Staphylococcus aureus, as duplicatas no experimento com a Pseudomonas também foram descartadas, por nao apresentarem discordância entre os resultados.


DISCUSSAO

Assim como qualquer injúria grave ao organismo, o paciente grande queimado se caracteriza por uma massiva supressao do sistema imunológico. Este fator, associado à perda da pele como barreira protetora, predispoe os pacientes à infecçao e, consequentemente, à sepse, sendo esta a principal complicaçao relacionada às queimaduras, responsável pela maioria dos óbitos10, representando 60%-70% das mortes por queimaduras11, sendo as bactérias mais frequentemente encontradas nas feridas queimadas e também as maiores causadoras de infecçoes o Staphylococcus aureus e a Pseudomonas aeruginosa12.

A SP a 1% representa um dos recursos amplamente utilizado no tratamento de queimaduras de segundo e terceiro graus. Possui um amplo espectro de açao contra bactérias Gram-Positivas e Gram-Negativas, incluindo a Staphylococcus aureus e a Pseudomonas aeruginosa5. Desde 1968, por meio dos estudos de Fox, foi demonstrado que a SP reduziu a mortalidade entre 5% e 20% em oito dias após queimaduras. Além disso, a destruiçao pós-queimaduras da pele e músculo por infecçao foi reduzida com a aplicaçao deste medicamento13.

Em uma queimadura, a concentraçao bacteriana acima de 105 UFC/g no local da ferida representa um risco de infecçao invasiva maior, sendo recomendada a aplicaçao da SP a 1% duas vezes ao dia14.

No presente estudo, mesmo a SP tendo sido aplicada em um ambiente bacteriano superpopuloso, com concentraçao de 108 UFC/ml, em um intervalo único de aplicaçao, e em diferentes concentraçoes farmacológicas menores que 1%, a sua eficácia contra o Staphylococcus aureus foi demonstrada pela formaçao de halos inibitórios em torno dos PF I das diferentes placas, fato nao observado em torno dos PF III in natura, o que nos permite afirmar que os mesmos nao contribuíram com o efeito antimicrobiano do fármaco. A verificaçao do maior halo inibitório de 50 mm em torno do PF I na placa de número um, que possuía a concentraçao de SP a 1%, e do menor halo inibitório de 23 mm ao redor do PF I da placa de número sete, que possuía a concentraçao de 0,01% de SP, comprova que o poder antimicrobiano da SP é proporcional a sua concentraçao, evidenciando, assim, maior eficácia nas formulaçoes mais concentradas.

A sensibilidade do à SP é sabidamente conhecida e, segundo estudos, mesmo em cepas multirresistentes de Staphylococcus aureus houve sensibilidade à SP15. A DIM para estes micro-organismos ultrarresistentes nestes estudos foi inferior a 1%.

Além disso, observamos neste trabalho que a propriedade terapêutica da SP é corroborada pelo creme base ao qual é veiculada, pois ao redor dos PF II (impregnados apenas com creme base) em todas as placas também houve uma inibiçao do crescimento microbiano.

Esta açao antimicrobiana proporcionada pelo creme base neste estudo levanta uma dúvida quanto à DIM da SP. A menor concentraçao de SP testada que causou inibiçao do crescimento bacteriano foi de 0,01%, porém, esta dose nao pode ser firmada como a DIM. O halo de inibiçao nesta concentraçao foi de 23 mm, um valor muito próximo daquele encontrado na média geral dos halos inibitórios dos PF II (composto por creme) de todas as placas, que é 24 mm. Desta forma, podemos inferir que a açao antimicrobiana na formulaçao de 0,01% é em parte fornecida pelo creme base componente da fórmula.

As variaçoes encontradas nos halos inibitórios dos PF II nao podem ser consideradas como secundárias a algum fator, pois os procedimentos de impregnaçao dos PF nas soluçoes, e as aplicaçoes dos mesmos nas placas foram feitos de forma idêntica. Além disso, a presença do PF I nao influenciou a açao do PF II, pois percebemos que diâmetros de inibiçao do PF II tiveram medidas semelhantes em placas com concentraçao diferentes da SP diferentes, como no caso das placas um e quatro, que possuem concentraçao da SP a 1% e 0,4% respectivamente, e um diâmetro de inibiçao do PF II igual, de 30 mm.

Em relaçao às várias preparaçoes comerciais disponíveis no mercado para o tratamento das queimaduras que contenham a SP, como o Dermaziner, Prataziner, Dermaceriumr, dentre outras, a concentraçao desta é preconizada a 1%. O aumento de sua concentraçao para valores maiores que 1% torna-se desnecessário e concentraçoes elevadas de compostos de prata servem apenas como depósito da mesma no tecido, o que favorece a reaçao com íons de cloro e a formaçao de sais insolúveis e inativos16. Logo, devido à eficácia comprovada da SP contra o Staphylococcus aureus, este estudo chega a um acordo comum com inúmeros autores que preconizam a SP 1% como o tópico de escolha no tratamento de queimaduras.

Passando-se para a segunda fase deste estudo, sabe-se que infecçoes graves causadas por Pseudomonas aeruginosa continuam a ser uma complicaçao comum em pacientes queimados, contribuindo substancialmente para aumentar a morbimortalidade destes indivíduos17.

É sabido que o objetivo no tratamento de infecçoes de feridas queimadas é a reduçao da proliferaçao bacteriana, bem como a prevençao da sepse resistente; no entanto, a situaçao para o tratamento de pacientes com infecçao pela Pseudomonas aeruginosa é particularmente problemática, uma vez que este microorganismo é inerentemente resistente a muitas classes de drogas e é capaz de adquirir resistência a todas as drogas antimicrobianas eficazes17.

Assim, partindo-se destas informaçoes e passando-se para a análise dos resultados deste estudo referente à Pseudomonas aeruginosa, os quais inicialmente quando analisamos os halos de inibiçao formado no PF I impregnado com SP 1% e 0,8%, percebemos que apesar de ser pouco expressivo (13 mm e 8 mm, respectivamente), quando comparado à inibiçao do Staphylococcus aureus, o mesmo existiu. Destacando, ainda, que a concentraçao bacteriana utilizada neste experimento foi bem superior àquela capaz de causar infecçao in vivo. Revelando que, mesmo em menores proporçoes, a SP conseguiu inibir o crescimento da Pseudomonas aeruginosa e, além disso, ao se analisar os PF II, percebe-se que nao houve nenhuma inibiçao, o que nos faz concluir que o creme nessa situaçao nao contribuiu com a fórmula, diferentemente do observado no experimento com o Stapylococcus aureus.

Confrontando-se essa primeira análise com o estudo de Fox18, o autor que fez a descoberta da SP, o fármaco em sua concentraçao ideal, isto é, a de 1% mostrou-se eficaz comparativamente com dezenas de outros fármacos testados, reduzindo em 75% a mortalidade por queimaduras em ratos. Apesar de eficaz, pôde-se observar que este fármaco frente a diversas situaçoes, mesmo em sua concentraçao comercializada, pode vir a falhar, ou seja, 25% dos ratos morreram devido à contaminaçao da ferida queimada; desta forma, a utilizaçao da SP em concentraçoes inferiores à preconizada nao é eficaz.

Quando se pensa que houve no estudo uma possível resistência bacteriana,especialmente nas placas de número 2 a 7, levando-se em consideraçao que a incidência (ou desenvolvimento) de resistência da SP é consideravelmente menor do que a maioria dos antibióticos, no entanto esta pode vir a ocorrer19. É sabido que a resistência de um micro-organismo a um antimicrobiano pode ocorrer quer por mecanismo "intrínseco" ou "adquirido". A resistência intrínseca seria um fenótipo demonstrado por micro-organismos antes do uso de uma agente antimicrobiano, ou seja, uma resistência natural da propriedade de um organismo. Já a resistência adquirida, para este mesmo autor, classifica-se como aquela que pode surgir por uma mutaçao ou aquisiçao de vários tipos de material genético na forma de plasmídeos, transposons e DNA autorreplicante; fato este que tem sido observado em uma ampla gama micro-organismos, dentre os quais a Pseudomonas aeruginosa16.

Outra questao que precisa ser analisada nesse contexto é que, segundo informaçoes fornecidas pelos fabricantes das diversas apresentaçoes comerciais da SP, o tópico deve ser aplicado de forma asséptica sobre a ferida queimada em uma camada de 3 mm a 5 mm e, posteriormente, coberto com camada de gaze absorvente. Quanto à frequência de aplicaçao, os fabricantes orientam que o mesmo deve ser trocado a cada 24 horas ou mais frequentemente,se a ferida for muito exsudativa5. Dessa forma, levando-se em consideraçao a metodologia utilizada no presente estudo, podemos afirmar que quanto à frequência de aplicaçao esta foi respeitada, já que a leitura dos halos foi realizada após 24 horas. No entanto, quanto à quantidade de SP impregnada nos PF, a qual representaria a mensuraçao da quantidade aplicada na pele, foi inferior. Isto pode ser afirmado pelo fato de que, durante o procedimento, os pesquisadores tiveram o cuidado de impregnar o PF com fina camada de SP, o que pode ter influenciado na propriedade inibitória do fármaco, já que neste contexto o tópico foi utilizado desintecionadamente em subdose.

Fator importante de ser analisado é que a concentraçao média de micro-organismos encontrados em feridas de queimadura situase em torno de 105 UFC/g20; no entanto, as placas utilizadas neste estudo foram inoculadas com micro-organismos na concentraçao de 1,5 x 108 UFC/ml (0,5 da escala de Mc Farland), o que pode ser comparado à hipótese do paciente manter sua ferida em ambientes potencialmente contaminados, tais como fezes e solo. Assim, tal questao pode ter interferido de forma diminutiva na formaçao de halos inibiçao do crescimento da Pseudomonas aeruginosa.

Investigaçoes realizadas ilustraram que a SP tornou-se ineficaz contra alguns organismos gram-negativos, tais como algumas cepas de Pseudomonas aeruginosa e todas as espécies de Enterobacter cloacae21. Desta forma, tais pesquisadores sugerem que, a fim de verificar a capacidade antibacteriana da SP, que é um agente tópico convencional para o tratamento de queimaduras, novas investigaçoes deveriam ser feitas. Mesmo anos após tal sugestao, novos estudos ainda nao foram desenvolvidos e, a cada década, a Pseudomonas aeruginosa torna-se cada vez mais alvo de casos referentes à multirresistência.


CONCLUSAO

Observou-se que a SP manifesta-se com maior poder antimicrobiano quanto maior a concentraçao de seu princípio ativo, independentemente do micro-organismo ser o Staphylococcus aureus ou Pseudomonas aeruginosa.

Concentraçoes menores de SP poderiam ser utilizadas, caso a maioria das feridas queimadas contaminadas fossem infectadas pelo Staphylococcus aureus, ou se antes de cada tratamento fosse realizado culturas específicas. No entanto, nenhuma dessas afirmativas é válida, já que, dentre os infectantes, a Pseudomonas aeruginosa destaca-se com frequência igual ou superior ao Staphylococcus aureus e preconiza-se terapia empírica em casos de queimadura, salvo algumas exceçoes. Assim, a concentraçao encontrada no mercado é a ideal.

Quanto à DIM, para o Staphylococcus aureus, esta foi de 0,1%, uma vez que na concentraçao de 0,01% acredita-se que a inibiçao seja proveniente de efeitos do próprio creme. Em relaçao à Pseudomonas aeruginosa, afirma-se que a DIM deva ser a mesma da encontrada no mercado e que maiores estudos a respeito de concentraçao e tempo de aplicaçao sejam necessários. Por meio especialmente da avaliaçao da relaçao da SP e Staphylococcus aureus, percebeu-se que o creme corrobora significativamente com a fórmula, mas o mesmo nao é válido para a Pseudomonas aeruginosa.


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1. Mestrado em Biologia Celular e Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil(2004). Professor titular da Universidade Comunitária da Regiaode Chapecó, Brasil
2. Acadêmico do curso de Medicina da Universidade Comunitária da Regiao de Chapecó, Brasil

Correspondência:
Guilherme Henrique Fontana
Avenida Nereu Ramos, número 1124 E, Apartamento 504, Centro
Chapecó, SC, Brasil - CEP 89801-022
E-mail: guiu_hfo@unochapeco.edu.br

Artigo recebido: 6/11/2013
Artigo aceito: 1/12/2013

Trabalho realizado na Universidade Comunitária da Regiao de Chapecó, UNOCHAPECO. Chapecó, SC, Brasil.

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