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Relato de Caso

A importância do atendimento pré-hospitalar nas queimaduras químicas no Brasil

The importance of pre hospital care in chemical burns in Brazil

Carlos Alberto Yoshimura

RESUMO

O autor apresenta dois relatos de casos que demonstram o aumento da eficácia e eficiência envolvendo os serviços de atendimentos pré-hospitalares de urgências relacionados às queimaduras químicas. A relaçao tempo x qualidade de prognóstico decorre de uma otimizaçao dos recursos tecnológicos existentes e disponíveis, agregando valores e resultados. A utilizaçao de um descontaminante químico do tipo quelante, como o Diphoterine, pode modificar a história evolutiva de uma agressao por produtos químicos, minimizando ou eliminando as sequelas advindas dos mesmos.

Palavras-chave: Atendimento de emergência pré-hospitalar. Queimaduras químicas. Quelantes. Diphoterine.

ABSTRACT

The author presents two case reports that demonstrate the increased effectiveness and efficiency, involving the pre hospital care services emergency related to chemical burns. The relationship time x quality of prognosis stems from an optimization of existing technological resources and available, aggregating values and results. The use of a chemical decontaminant to the remnants of chelation type, such as Diphoterine can modify the evolutionary history of an aggression by chemical products, minimizing or eliminating the consequences arising thereof.

Keywords: Emergency medical services. Burns, chemical. Chelating agents. Diphoterine.

Embora as queimaduras químicas perfaçam apenas cerca de 3% a 4% do total das queimaduras no Brasil, isto significa que mais de 100 casos ocorram diariamente em nosso meio, sendo a grande maioria proveniente dos ambientes laborais.

Tais queimaduras, nao obstante ao reduzido percentual, poderiam ter o processo natural da sua evoluçao alterado para a ausência de lesoes ou sequelas. Tempo é a palavra-chave para um bom atendimento às vítimas, pois as reaçoes químicas desencadeadas após o contato tecidual variam de segundos a horas.

Se tivermos um atendimento pré-hospitalar eficiente e eficaz, toda a história natural do processo de queimadura química poderá ser alterada, resultando em maior sobrevida e minimizaçao de injúrias e suas sequelas. Entenda-se como atendimento pré-hospitalar, todo tipo de atendimento que se interponha entre o acidente e a chegada a uma unidade de atendimento especializado, ou seja, hospitalar.

Este trabalho demonstra, por meio do relato de dois casos, que o atendimento pré-hospitalar pode alterar a evoluçao de uma queimadura química, mesmo com um retardo no atendimento, face às peculiaridades dos processos cutâneos reacionais e do desperdício de tempo demandado entre o acidente e o atendimento intra-hospitalar, em que se buscam soluçoes específicas para cada agente agressivo, seja em um centro de referência de intoxicaçoes, seja por meio de maiores orientaçoes do fornecedor do produto ou da empresa detentora de tal produto.

A associaçao do Atendimento Pré-Hospitalar, como o SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e UPA (Unidade de Pronto Atendimento) x Descontaminante Anfótero (Diphoterine) pode fazer a diferença no resultado final.

Diphoterine é um produto com natureza anfótera e neutralizante que, por meio de quelaçao, sequestra irreversivelmente o agente agressor da epiderme, eliminando-o e resultando na interrupçao do avanço de queimaduras químicas, sem provocar reaçao, pois é atóxica e nao irritante (testes no Safepharm, na Inglaterra, e CIT, na França)1-3. Além disso, há alívio imediato da dor como consequência da açao sequestrante do agressor e nao por anestesia. Nao é medicamento, nao tem açao metabólica, imunológica ou farmacológica. Nao age no tecido da epiderme e derme, como o fazem os medicamentos, mas sim no produto agressor, ácido ou álcali. Seu uso suplanta os métodos convencionais de primeiro-socorros e tratamento de acidentados (lavagem com água ou uso de tampoes ou gluconato de cálcio). Diphoteriner foi testado em mais de 1100 produtos químicos representativos das seis classes gerais: ácidos, bases, oxidantes, redutores, quelantes e solventes.


RELATOS DOS CASOS

Caso 1


Trabalhador do sexo masculino, 19 anos, técnico de manutençao de uma indústria papeleira, onde, ao manusear um tambor de 200 litros de soluçao contendo soda cáustica a 20%, o mesmo escorregou do pallet e bateu o seu fundo no solo, vindo a projetar o produto sobre o funcionário.

O paciente evoluiu com hiperemia e ardência local em hemiface, pescoço, tórax e abdome esquerdo, com cerca de 4% da superfície corporal queimada (SCQ) (Figura 1). Foi submetido a enxágue com água e sabao, sem melhora da dor.


Figura 1 - Caso 1. Queimaduras de 1º grau em evoluçao, reaçao química de saponificaçao. Momentos antes da descontaminaçao.



Foi acionado o SAMU, que imediatamente efetuou a descontaminaçao com soluçao quelante (Diphoterine), com relato de melhora da dor e desaparecimento das lesoes.

O paciente retornou ao trabalho sem restriçoes (Figura 2). O tempo de retardo até o uso do descontaminante foi de 30 minutos.


Figura 2 - Caso 1. Após descontaminaçao com o quelante Diphoterine. Sem lesoes e retorno ao trabalho.



Caso 2

Trabalhador do sexo masculino, 43 anos, sofreu projeçao de soda cáustica a 50% em olho esquerdo quando manipulava uma tubulaçao, sendo submetido ao enxágue inicial no local com água. Houve retardo de 50 minutos até a aplicaçao do descontaminante, Diphoterine, na vítima (Figuras 3 e 4).


Figura 3 - Caso 2. Início da descontaminaçao com Diphoterine, mesmo com retardo.


Figura 4 - Caso 2. Após descontaminaçao, epiteliólise decorrente de reaçao química e do retardo de 50 minutos.


O paciente evoluiu com formaçao de úlcera de córnea, tratada pelo oftalmologista de forma convencional com colírios e pomadas.

Após 30 dias, houve regressao total da úlcera, que nao se aprofundou, permitindo que o organismo restabelecesse suas funçoes fisiológicas adequadamente, sem tratamento cirúrgico (enxertia) ou sequelas, como retraçoes cicatriciais ou opacificaçoes (Figura 5).


Figura 5 - Caso 2. Após 30 dias, cicatrizaçao da úlcera de córnea.



DISCUSSAO

Se o atendimento Pré-Hospitalar, seja pelo SAMU, seja por uma Unidade de Pronto Atendimento, for eficiente e eficaz, toda a história natural do processo de uma queimadura química poderá ser alterada, resultando em maior sobrevida e minimizaçao das injúrias e/ou suas sequelas. O atendimento mais ágil poderá ser um grande diferencial na qualidade dos serviços prestados à populaçao.

Os produtos químicos, com suas particularidades e peculiaridades, implicam numa diversidade do processo evolutivo das queimaduras químicas, demandando de segundos a horas para se definir o grau de comprometimento. Uma inocente queimadura de 1º grau por soda cáustica, se nao tratada adequadamente, certamente evoluirá para uma lesao de 3º grau em menos de 24 horas, por conta da reaçao de saponificaçao que dela depreenderá.


CONCLUSAO

Este trabalho desperta um questionamento a respeito de haver ou nao a necessidade da mudança de paradigma necessária para a descontaminaçao emergencial em queimaduras químicas de pele e olhos.

A água, tradicionalmente utilizada, sem uma avaliaçao científica sistemática, tem sido evidenciada, em muitos casos, como insuficiente para a descontaminaçao das projeçoes de produtos químicos sobre a pele. Ergue-se, entao, a polêmica a respeito de fontes alternativas de abordagem ao acidentado com produtos químicos, e depreendem numa qualidade inquestionável de recuperaçao da injúria imputada por força de uma contingência inusitada. Podemos, entao, afirmar que a garantia sobre os riscos permanece no gerenciamento adequado de políticas e recursos para o controle da qualidade.


REFERENCIAS

1. Hall AH, Blomet J, Mathieu L, Nehles J. Diphoterine for emergent decontamination of eye/skin chemical splashes. In: The American Industrial Hygiene Conference an Exhibition;2000;Orlando.

2. Schrage NF, Kompa S, Haller W, Langefeld S. Use of an amphoteric lavage solution for emergency treatment of eye burns. First animal type experimental clinical considerations. Burns. 2002;28(8):782-6.

3. Hall AH, Blomet J, Mathieu L. Diphoterine for emergent eye/skin chemical splash decontamination: a review. Vet Hum Toxicol. 2002;44(4):228-31.










Membro Titular e Especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Membro da Sociedade Brasileira de Queimaduras, Assistente do Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa de Santos, SP, Diretor do SAMU de Cubatao, SP, Coordenador do NEU (Núcleo de Educaçao em Urgência) do SAMU de Santos, SP, Médico do Trabalho - Titular da ANAMT - Associaçao Nacional de Medicina do Trabalho.

Correspondência:
Carlos Alberto Yoshimura
Av. Nossa Senhora de Fátima, S/N - Jardim Casqueiro
Cubatao - Sao Paulo, SP, Brasil - CEP 11533 030
E-mail: carlosyoshimura@yahoo.com.br

Artigo recebido: 7/10/2012
Artigo aceito: 22/11/2012

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Plástica e Queimados da Santa Casa de Santos, Santos, SP, Brasil.

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